Desde 1999 trabalha-se educação ambiental como tema transversal, quase 20 anos depois, será que ainda é válido permanecer nessa estratégia?
Este ano, ouvi uma fala interessante de um deputado que milita pelas causas ambientais: “Minha neta, de seis anos, tem mais educação ambiental do que eu quando tinha 16 anos”. Me deparei novamente com a informação sobre o entendimento ambiental da criançada, durante a Virada Sustentável 2018, quando algumas crianças que participaram do circuito ambiental já sabiam como separar o lixo reciclável do lixo úmido e dos rejeitos. Então, comecei a me perguntar se a Educação Ambiental (EA) está sendo ensinada nas escolas a ponto de ser possível encontrar crianças munidas de algumas informações de suma importância para o respeito com a natureza.
Minha reflexão iniciou ao me lembrar das aulas de ciências, no ensino fundamental, quando o professor falava do derretimento das calotas polares; sobre como o lixo no chão ia parar no rio e como ter uma plantinha contribuía para que o ar ficasse mais puro. Isso, há 19 anos, quando não tínhamos a Política Nacional de Educação Ambiental.
Na universidade, participei, como voluntária, de um projeto de extensão no qual tinha que ir nas escolas ensinar as crianças a plantarem mudas de espécies regionais, além de falar um pouco sobre o derretimento das calotas polares, entre outros assuntos. Quando estagiei na Secretaria de Meio Ambiente, pude participar de campanhas de Educação Ambiental contra queimadas e contra caramujos africanos; vi garrafa PET virar flor, e caixa de leite virar bolsa e também tive que ouvir sobre o derretimento das calotas polares para me tornar uma “agente ambiental”.
Mais tarde, já como profissional, presenciei uma feira de ciências em que os alunos expunham maquetes sobre saneamento básico, com rede de esgoto e estação de tratamento, e lá, também, tinha uma equipe que falava sobre o derretimento das calotas polares.
A informação do derretimento das calotas passou pela minha Educação Ambiental em vários estágios e sempre me fez visualizar um urso polar em um bloco de gelo deslocado.
A informação foi válida, e acredito que continua sendo, mas será que, no contexto Amazônia, deveria ser tão recorrente?
Carolina Salles, Doutora em Direito Ambiental, informa, em seu artigo “Meio ambiente e educação ambiental nas escolas públicas”, que os problemas ambientais devem ser compreendidos primeiramente em seu contexto local e, em seguida, ser entendida em seu contexto global.
Concordo com a Carolina, pois, falar do derretimento das calotas polares, no contexto de educação ambiental na Amazônia, nos distancia da urgência do tema.
Proponho falarmos da enchente do rio Madeira; da grande seca no Amazonas, em 2010; das garças do igarapé do Mindu, com tornozeleiras de plástico; das queimadas de 2015; da incineração de resíduos malsucedida em Anamã. Interessantes esses temas, não é? Os conheço porque trabalhei com eles, mas os professores da rede de ensino público, será que conhecem? Será que o MEC, que determina que o tema Educação Ambiental seja tratado de forma transversal, deu ao professor condições de entender além da matemática, português e outras disciplinas?
Salles ao buscar compreender os principais desafios e dificuldades encontrados no Ensino Fundamental I, em relação à Educação Ambiental, conclui que os professores têm o conhecimento sobre o tema EA, mas eles não participaram e nem receberam capacitações referentes ao mesmo, e por isso não incluem o tema EA como tema transversal em seus planos de aula.
Os professores consultados também afirmaram que o próprio livro didático é ausente de conteúdos relacionados à questão ambiental. Como é possível ensinar Educação Ambiental, se os professores têm conhecimento raso ou não possuem material para trabalhar o tema? E isso é resultado da falta de prioridade por parte da Política Nacional de Educação que quer tratar algo tão urgente como transversal.
Aqueles professores que discutem o conteúdo com seus alunos, o fazem por iniciativa própria e acabam sendo sobrecarregados, como foi concluído pela pesquisa de Santos & Santos, “A inserção da educação ambiental no currículo escolar”:
“…os professores das disciplinas de Ciências Naturais se sentem solitários em relação à prática de EA nas suas escolas. Como as iniciativas de EA geralmente partem deles, acabam ficando responsáveis por todo o andamento dos projetos”.
É importante destacar que o Brasil é o único país da América Latina que possui uma política nacional específica para a Educação Ambiental, a Lei Nº 9.795, de 27 de Abril de 1999, e isso é ponto pra gente, mas está muito longe do mínimo que precisamos.
O interdisciplinar e transversal propostos não têm funcionado. Santos & Santos concluíram que apenas 7,9% das escolas pesquisadas declararam trabalhar a EA em função da interdisciplinaridade. Isso mostra o quanto é difícil implantar a EA interdisciplinar em uma escola com um currículo totalmente disciplinar. As mesmas autoras também se apoiaram na pesquisa “A invenção do sujeito ecológico: identidade e subjetividade na formação dos educadores ambientais”, do autor Carvallho, que afirma:
“Ao se constituir a EA como tema transversal, ela pode tanto ganhar o significado de estar em todo lugar, como também não pertencer a nenhum dos lugares dentro da estrutura curricular”.
Acontece que, como a EA deve ser abordada por todos os professores, nenhum deles realmente a assume (com as devidas exceções), porque já precisam abordar da melhor forma o conteúdo que lhes cabe.
O professor de matemática não precisa ir tão longe do seu conhecimento para se especializar, o mesmo acontece com o professor de português e outros, mas, para ministrar a EA, eles precisam sair da sua zona de confiança e não há incentivo e capacitação voltados para EA.
Outra informação valiosa que Santos&Santos nos trazem é que dentre as escolas pesquisadas, apenas uma afirmou tratar do tema Bioma em seus projetos. Isso é preocupante porque uma maneira de fazer com que o estudante se sinta inserido no meio ambiente é colocá-lo em contato com o seu meio, e isso é possível através do estudo do seu Bioma. Ademais, a EA deve proporcionar ao estudante que ele vivencie o meio ambiente e não que o veja como algo distante de sua realidade.
O que me preocupa nesse dado é o quanto se aborda sobre Amazônia em Educação Ambiental, no Amazonas e no resto do país. Se o tema EA é responsabilidade do Brasil como um todo, imagina para nós, Amazônidas, que vivemos em um ambiente tão sensível.
Falando de Amazonas, ainda vejo crianças jogando lixo na rua e as crianças da capital são não acessam a realidade ribeirinha, no entanto, também vejo aquelas que sabem separar resíduos para reciclagem. Elas aprenderam isso nas escolas? Tenho minhas ressalvas diante de tantos dados contrários, mas acredito que, assim como os solitários e audaciosos professores que promovem a EA, existem iniciativas encantadoras que despertam o olhar da criançada para esse fim, e é por essas iniciativas que acredito que as crianças de hoje são mais educadas ambientalmente do que nosso querido deputado quando tinha 16 anos. Mas não posso deixar de comentar que o MEC, com sua transversalidade, dificulta a evolução deste processo.
Minha consideração, enquanto militante da causa ambiental, é que a disciplina EA deve ser inserida na grade curricular e, se o MEC insiste em não inserir, que nós, amazonenses, lutemos por isso, afinal, enquanto Estado, temos autonomia para tanto. Pais, questionem nas escolas de seus filhos como esse tema tem sido trabalhado; ambientalistas, reúnam crianças para compartilhar essas experiências; professores, vocês têm o poder de semear a sustentabilidade em seus alunos. Nesse dia do estudante, trago essa reflexão para nós, profissionais que um dia estivemos nas salas de aula, e agora temos condições de contribuir para que os estudantes de hoje tenham mais EA do que tivemos um dia. Só peço um favorzinho, não falem apenas sobre as calotas polares!
Salle, C. 2013. Meio ambiente e educação ambiental nas escolas públicas. Disponível em: https://carollinasalle.jusbrasil.com.br/artigos/112172268/meio-ambiente-e-educacao-ambiental-nas-escolas-publicas. Acesso em 10 de agosto de 2018.
Santos, A.G.; Santos, C.A.P. A inserção da educação ambiental no currículo escolar. Revista Monografias Ambientais – REMOA v. 15, n.1, jan-abr. 2016, p.369-380 Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas – UFSM, Santa Maria e-ISSN 2236 1308 – DOI:10.5902/22361308.